Gota d'Água


Raios partam o Youtube que, ainda assim, raramente tem vídeos de jeito. Ou a minha impaciência.

Fica este.

Hoje faz anos o Chico Buarque. O Chico para os não-íntimos.

Impossível ficar indiferente, imagino que para muita gente da minha geração e da dos meus pais.

Dos meus, digo que crescemos a ouvi-lo.

Sabemos de cor.

Que dizer de uma música destas (e tantas outras), que ainda não tenha sido dito ou que a própria letra não diga?

A mim, umbiguista, resta-me sempre a minha história. E foi dela que me lembrei, logo, assim que me deram a notícia do aniversário.

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Gota d'água
Chico Buarque

Já lhe dei meu corpo
Minha alegria
Já estanquei meu sangue
Quando fervia

Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor...

Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água...

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Era a manhã do dia do futuro, dizia a rádio.
E nós terminávamos aquele que tinha sido, provavelmente para todos, o período mais intenso das nossas vidas, até então.
Cansados, depois de uma longa noite; esgotados, depois de semanas de entrega. E de tanta emoção e paixão.
Estávamos todos deslumbrados, encantados. Uns com os outros, uns com todos, todos com um.
E era o fim. E um momento de ruptura. E um momento de decisão.

O que fazer daquilo? O que fazer dali para a frente?
E a noção de que nada seria como antes.
Todos, em separado, começámos a movimentar-nos nas direcções que queríamos seguir, que não queríamos perder, que nos gritava o instinto.

E foi aí que tudo começou por perder-se.
Depois de horas de sono, a tentar recompor-me, para voltar à vida quotidiana.
Quando liguei o telefone e dei com a mensagem de voz: a gravação da Gota d'Água, lá ao fundo, pela voz do Chico Buarque.
E nada foi como parecia. Tudo acabou antes do que poderia ter sido.
Porque foi, para todos, a gota de água.

Depois disso, mais tarde, foi a Insensatez. A mágoa.
E acabou-se a história.


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O Chico Buarque é autor de inúmeras boas músicas para curtir a fossa. E de infinitas boas músicas, ponto. Para qualquer coisa.

Credo!


Deve haver poucas músicas com uma letra como esta, do grande Chico Buarque (acima com Zizi Possi). Copio-a na íntegra. Atentem-me nisto:

Pedaço de Mim

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais
Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

...

...

É de cravar facas no peito, nas feridas todas, na testa, cortar os pulsos e os tornozelos...

A versão que queria mostrar-vos era a da Simone, mas no Youtube não a encontrei completa (o final é súbita e cruelmente interrompido) e a gravação ao vivo tem um instrumento de teclas insuportável.
Graças ao Grooveshark deixo-vos o audio, que é o que interessa:



É disto que me lembro, de pequena. Parte de um álbum, que adorava (o último da Simone passível de tanto, a meu ver), intitulado "Pedaços".

O disco tinha, entre outras, esta "Começar de Novo", do Ivan Lins, que se inscreve perfeitamente na temática deste blog, embora contendo já um tom de esperança, de renascimento e sobrevivência. Mas isso é bom (além do mais não posso exagerar; não quero que me acusem de submergir, ainda mais, a cabeça no lodo a quem já por lá anda a debater-se).



E esta, que apela à repetição dos erros, também boa para quem está à beira da tentação:




Ainda esta, que também fala do fim de um relacionamento mas com alguma alegria melódica, por isso, cá vai:

Saindo de Mim by Simone on Grooveshark

E, para terminar, outra que não entra neste quadro mas é tão gira (também do Chico Buarque)...


Alma mater


"Já nem chorar me traz consolo" e "antes sozinha toda a vida que ter um coração que mente" são frases que, só por si e em determinadas circunstâncias, já ligam o interruptor do choro. Com esta melodia nostálgica do Rodrigo Leão, então, é tiro e queda, mas queda aparatosa.

Do álbum "A Mãe", com a colaboração dos Cinema Ensemble, entre outros, o tema "Vida Tão Estranha", que aqui se escuta em gravação num espectáculo no Casino Estoril, ganha, como em tantos outros casos, particular candura e beleza com a voz da Ana Vieira.

Em tempos assumi que Ana Vieira era a grande intérprete da música portuguesa, pouco conhecida porque, insistentemente (e ao contrário do que acontece na maioria dos casos), cada vez que um tema do Rodrigo Leão passa, na rádio ou na televisão, o nome que o acompanha é o do autor/compositor, peça fundamental e fulcral nesta identidade sonora. Mas não deixa de ser injusto, principalmente num contexto cultural como o nosso, que o nome da cantora não chegue ao público.

Veja-se o caso, mero exemplo, de "Voltar".

Inúmeras colaborações há, felizes, de vozes femininas com Rodrigo Leão (assim como de variados músicos). Mas para o efeito que se pretende , deixo aqui outra musiquinha que, uma noite, chegada a casa com a incumbência de chorar (a conselho de uma amiga sábia e porque era preciso), fiz passar no iPod em loop, até que adormeci (a chorar, de facto). Estávamos no final do ano de 2005 e passados dois ou três dias acabei, curiosamente, por passar o réveillon, nada mais, nada menos, que em casa do grande compositor.

Neste caso é Rosa Passos que dá a voz a "Rosa", do álbum "Cinema".


o supra-sumo


Jacques Brel - ne me quitte pas - MyVideo

Esta é a música - e interpretação - mais devastadora! Esta é de dar facadas no coração em chamas!... Isto é sublime, pois claro, mas não se deve ver sempre!... Há que usar com moderação!
Conhecia a música desde miúda (ensinaram-me bem cedo a curtir a fossa) mas só vi o video do Brel lavado em lágrimas quando já era crescida, na televisão. Fiquei ali parada, boquiaberta, a pensar "como é que alguém, perante isto, pode ter coragem de o deixar?!"...
A letra é um portento e eu não me aguento quando ele chega ao cúmulo de lhe pedir para que o deixe ser a sombra do seu cão! ("A sombra da sua sombra, a sombra da sua mão, a sombra do seu cão"!! Pelo amor de Deus, alguém faça alguma coisa!..)
Bom, aqui está a letra, do próprio Jacques Brel que, ao que parece, a escreveu aquando da sua separação de Suzanne Gabriello.

Entretanto, e não obstante a magnificência do tema interpretado pelo autor, aqui fica igualmente a coisa interpretada pela Maysa (a número um do blog, remeber?), numa interpretação soberba, como só a própria...

eu pequena e o meu pai a explicar-me





Ives Montand. "Les Feuilles Mortes" com música de Joseph Kosma e letra de Jacques Prévert.
Há um sem número de gravações desta música, tanto em francês como em Inglês. Continuo a preferir o Montand.
E agora que entrámos nos franceses (voltaremos aos brasileiros e iremos a outros, está claro) agarrem-se que vamos sofrer!... :)
Letra aqui, em francês e inglês.
Aqui em inglês, cantada pelo Nat King Cole, sempre bom.